quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Uma aventura literária: “Cozinhar: uma história natural da transformação”, de Michael Pollan – PARTE 1

Um relato sobre o fogo, a água, o ar e a terra!

Por Diogo Tomaszewski

No início do ano, lá pela metade do mês de fevereiro, fui visitar uma famosa livraria, que se encontra dentro de um shopping na Zona Leste de São Paulo. O motivo? O melhor presente natalino que poderia receber: um Vale-Livro, recebido através dos meus pais e guardado com muito carinho até o momento de seu uso. Meus pais – ainda bem – sempre incentivaram a cultura dentro de casa, seja comprando gibis da Turma da Mônica quando eu e minha irmã éramos criança, seja nos levando ao cinema assistir AI - Inteligência Artificial, já um pouco mais velhos.
Cheguei na livraria sem muitas pretensões, não sabia ao certo qual livro eu queria comprar, muito menos qual estilo escolher. Depois de uns 20 minutos procurando por algo que me chamasse a atenção, avistei o livro que dá o nome a este post. Achei o nome bastante interessante (talvez por que faço Ciências dos Alimentos, talvez por que terei uma disciplina chamada “Antropologia da Alimentação” no ano que vem), então resolvi dar uma olhada na orelha do livro. Após realizar essa leitura prévia, tive a certeza que o destino do Vale-Livro já estava traçado.
Abaixo, parte da orelha do livro:
Capa do livro "Cozinhar: uma história natural da transformação"
[...] o escritor Michael Pollan convida o leitor a redescobrir a experiência fascinante de transformar os alimentos. A partir dos quatro elementos da natureza – fogo, água, ar e terra – ele nos mostra o calor ancestral do churrasco, o caldo perfumado dos assados de panela, a leveza dos pães integrais e a magia da fermentação de um chucrute. Ao relatar suas experiências pessoais com os processos de preparação da comida, Pollan mergulha numa história tão antiga quanto a da própria humanidade e propõe uma redescoberta de sabores e valores esquecidos”
Por questão de “compromissos acadêmicos” – leia-se início das aulas – acabei interrompendo a leitura que mal havia começado. Entretanto, logo após minha volta do Projeto Rondon (leia mais sobre essa experiência clicando aqui), tomei vergonha na cara e (re)comecei a leitura, agora já com o incentivo do “Cozinha Sobre a Mesa”.
Agora, sem mais ladainha, vamos ao livro propriamente dito? Mas antes, uma pequena contextualizada sobre que é o autor:

Michael Pollan:  “Coma comida. Não muito. Principalmente de origem vegetal”

Fonte: http://www.eventbrite.com/
Michael Pollan, nascido em 1955, "é um atual rebelde da atual cultura gastronômica. Além Cozinhar, possui outros 6 livros publicados, entre eles O Dilema do Onívoro, Regras da Comida e Em Defesa da Comida.
Seu interesse pela alimentação e pela comida apareceu na dificuldade em alimentar seu filho, que até os 10 anos "comia apenas arroz e pão brancos, pasta sem molho e batatas assadas". Alice Waters, chefe de cozinha e amiga de Pollan, convidou seu filho, então com 13 anos (!) para trabalhar em seu restaurante durante as férias de verão. Foi o passo que faltava para uma mudança radical na vida da família Pollan. A mudança aconteceu. "Preparar os alimentos o ajudou a desmistificar a comida", diz Alice.
A experiência gastronômica de Michael, por sua vez, iniciou-se com seu avô, que era produtor e distribuidor de vegetais e frutas. Os dois colhiam frutas e verduras juntos, para depois vender no bairro em que moravam.



O livro basicamente é dividido em quatro partes (na realidade, seis), a saber:
  1. Introdução: por que cozinhar?
  2. Fogo: criaturas da chama;
  3. Água: uma receita em sete passos;
  4. Ar: a formação de um padeiro amador;
  5. Terra: o frio calor da fermentação
  6. Epílogo: o sabor das mãos

Esta série de posts tratarão de cada uma das partes acima mencionadas. Agora falaremos um pouco mais sobre a primeira parte.

Introdução: por que cozinhar?

"Esse livro é a história da minha educação na cozinha - e também na padaria, na leiteria, na cervejaria e na cozinha de um restaurante, alguns dos lugares que que hoje são palco na nossa cultura."
Pollan começa divagando/filosofando/questionando-se acerca de algumas perguntas “que o preocupava”, a saber:
  • Qual a coisa mais importante que poderíamos fazer em família para melhorar nossa saúde e nosso bem-estar de modo geral?
  • Qual seria uma boa maneira de estabelecer um vínculo com seu filho adolescente?
  • Qual seria o gesto mais importante que uma pessoa comum poderia fazer para ajudar a mudar o sistema alimentar dos Estados Unidos, tornando-o mais saudável e mais sustentável?
  • De que forma as pessoas que vivem numa economia de consumo altamente especializada podem reduzir sua dependência e alcançar uma maior autossuficiência?
  • Como, no nosso dia-a-dia, podemos ter uma compreensão mais profunda do mundo natural e do papel peculiar que nossa espécie desempenha nele?

O autor chega a conclusão que tudo se resume a apenas uma resposta básica: cozinhar. O tom da conversa vai, então, para uma escala local (nesse caso, os Estados Unidos”), que acaba, por fim, definindo o que ele chama de “Paradoxo do Cozinhar”. A seguir, um pequeno trecho que acredito que exemplifique esse o paradoxo:
“[...] pesquisas de opinião confirmam que [...] o tempo gasto com o preparo de refeições nos lares dos Estados Unidos caiu pela metade desde meados dos anos 1960. [...] Hoje é de apenas 27 minutos por dia. Por outro lado, estamos falando mais sobre culinária – e assistindo a programas de culinária, lendo sobre o assunto e indo a restaurantes onde podemos observar o preparo da comida em tempo real.”
Pollan então retorna ao tempo, citando autores como James Boswell (1773), a obra A Fisiologia do Gosto, de Jean Anthelme Brillat-Savarin (1813), Lévi-Strauss (1964) e seu O cru e o cozido até o mais recente, Richard Wrangham, que publicou seu livro Pegando fogo: como cozinhar nos tornou humanos, o qual diz que foi o advento da comida cozida que nos diferenciou dos macacos e nos tornou humanos: por proporcionar aos nossos ancestrais uma ideia com maior densidade energética e de fácil digestão, a nova prática permitiu que nossos cérebros (que gastam muita energia) crescessem e os intestinos encolhessem.
E qual a influência de tudo isso no nosso dia-a-dia? Segundo Pollan,
"A transferência de grande parte do trabalho do preparo de alimentos para empresas desobrigou as mulheres da tarefa de alimentar a família, que por tradição era exclusiva delas, possibilitando que trabalhassem fora de casa e tivessem suas próprias carreiras.[...] Também permitiu uma substancial diversificação de nossas dietas, fazendo com que mesmo pessoas sem habilidades culinárias e com pouco dinheiro pudessem desfrutar  um tipo completamente diferente de culinária a cada noite: tudo o que precisam é um micro-ondas."
Rede de supermercado e sua infinidade de produtos industrializados
Em seguida, há uma crítica ferrenha ao atual movimento fast-food ("as grandes empresas não cozinham como as pessoas (motivo pelo qual costumamos dizer que eles 'processam alimentos')". Por mim, ele remete ao fato que, inevitavelmente, cozinhar implica em um vínculo com a natureza, e cada vez mais este está se perdendo, grande parte por causa dos alimentos industrializados.
Finalmente, o escritor fala de um assunto que pode ser polêmico para alguns... a questão da mulher na cozinha. Poderia muito bem citar um trecho aqui, mas prefiro aguçar a curiosidade de vocês, rs.
Hoje em dia, uma parte das pessoas (e eu NÃO me incluo nessa parcela) "tendem a pensar que fazer queijo ou cerveja são formas 'extremas' de culinária, apenas por que poucos de nós chegamos a tentar praticar." O autor, então, imagina um futuro em que "preparar uma refeição do zero venha a ser algo tão exótico e ambicioso [...] quanto produzir uma cerveja, assar um pão ou fazer um churrasco".

Por fim, mas não menos importante, o jornalista define que "o ato de cozinhar tem o poder de transformar mais do que plantas ou animais: ele também nos transforma, de meros consumidores em produtores. Não completamente, nem o tempo todo. [...] Fazer a balança pesar mesmo que só um pouquinho a favor da produção é algo que proporciona satisfações profundas e inesperadas".


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Ao final, deixarei algumas indicações de bibliografia - em português - caso tenham se interessado por toda essa temática de industrialização de alimentos e como ela afeta nossa alimentação e cultura alimentar.

No próximo post, falarei sobre o primeiro elemento que o livro aborda: "Fogo - criaturas da chama". Basicamente, uma longa divagação sobre o churrasco americano e o hábito de comer carne. Fiquem atentos, e não deixem de ler o blog! Novos posts toda semana!

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

Sobre o costume de cozinhar como atividade que nos define enquanto humanos

  • LÉVI-STRAUSS, Claude. A origem dos modos à mesa. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2006;
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido.Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2011;
  • WRANGHAM, Richard W. Pegando fogo: por que cozinhar nos tornou humano. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2010

Sobre a permanente relevância dos elementos clássicos

  • BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2001;
  • BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013;
  • BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. Tradução de Paulo Neves. São Paulo, Martins Fontes, 1994;
  • BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013;

FONTES CONSULTADAS:

EZABELLA, Fernanda. 'Voltar a cozinhar é um ato político', diz jornalista Michael Pollan, atração da Flip. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/serafina/2014/07/1490666-voltar-a-cozinha-e-um-ato-politico-diz-jornalista-michael-pollan-atracao-da-flip.shtm>

FROES, Luciana. Michael Pollan: 'Esquentar uma lata de comida não é cozinhar'. Disponível em <http://oglobo.globo.com/cultura/livros/michael-pollan-esquentar-uma-lata-de-comida-nao-cozinhar-13380041>

POLLAN, Michael. Cozinhar: uma história natural da transformação. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014

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