segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Guia Alimentar para a População Brasileira - parte I

Por Anna Paula S. Silva



Olá, leitores!



      Há um certo tempo que eu gostaria de fazer uma postagem sobre este assunto aqui no blog, e hoje, aqui está ela (ou parte dela) ! Neste post introduzo a você a nova série do blog Cultura Sobre a Mesa, relativa ao Guia Alimentar para a População Brasileira!

      Você conhece o Guia, os seus objetivos, ou o porquê dele ter sido elaborado? E mais, conhece os benefícios que ele pode trazer para a sua saúde e a de sua família através da educação alimentar?

      Nesta série, vamos esclarecer juntos essas e outras dúvidas, e destrinchar um pouco mais o Guia Alimentar ! E para começar, baixe a nova versão do Guia Alimentar clicando aqui . 




Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ª edição. Brasília, DF, 2014. Imagem extraída de: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf



Segurança Alimentar e Nutricional


O Guia Alimentar foi elaborado e publicado pela primeira vez no ano de 2006. Trata-se de um documento elaborado pelo Ministério da Saúde com o objetivo de apresentar diretrizes alimentares oficiais à população brasileira dentro do contexto atual do país. No início do Guia, é apresentado o seguinte objetivo:

 "Tendo por pressupostos os direitos à saúde e à alimentação adequada e saudável, o guia é um documento oficial que aborda os princípios e as recomendações de uma alimentação adequada e saudável para a população brasileira, configurando-se como instrumento de apoio às ações de educação alimentar e nutricional no SUS e também em outros setores. Considerando os múltiplos determinantes das práticas alimentares e, a complexidade e os desafios que envolvem a conformação dos sistemas alimentares atuais, o guia alimentar reforça o compromisso do Ministério da Saúde de contribuir para o desenvolvimento de estratégias para a promoção e a realização do direito humano à alimentação adequada" (BRASIL, 2014).


Indiscutivelmente, pode-se dizer que muita coisa mudou de 2006 até 2015 no que diz respeito, também, à situação alimentar brasileira. Todas as mudanças sociais e econômicas influenciam diretamente a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)  do país, logo há necessidade de apresentar novas recomendações para que este direito seja garantido, e este documento é uma contribuição de grande relevância na construção e melhoria da SAN de nosso país.



Que tal já compartilhar essa postagem com seus amigos para que eles também conheçam e possam acessar o Guia?


Começo a explicação do Guia Alimentar apresentando a definição de SAN.

A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) , lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com o objetivo de assegurar o direito humano à alimentação adequada, establecendo princípios, diretrizes e composição do SISAN, conciliando a participação do poder público com a sociedade, instituições e organizações formulando e implementando políticas e outras ações para assegurar o direito humano básico à alimentação (BRASIL, 2006).  
Esta Lei não possui um conceito limitado sobre o que é SAN, mas sim apresenta uma definição composta por um conjunto de fatores abrangidos pela SAN, considerando aspectos culturais e de soberania do país. Esta Lei pode ser consultada clicando aqui , e o trecho apresentado abaixo em itálico foi retirado integralmente da LOSAN (BRASIL, 2006), a qual deve abranger:


" I – a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição da renda;

II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos;

III – a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da população,  incluindo-se grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade social;

IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população;

V – a produção de conhecimento e o acesso à informação; e

VI – a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais do País " (BRASIL, 2014) .


Como podemos ver, a definição de SAN vai muito além da garantia ao acesso permanente, e em quantidades adequadas, de alimentos seguros, sem o comprometimento das demais necessidades básicas do indivíduo. No primeiro tópico, vemos que SAN está relacionada à ampliação das condições de acesso a alimentos através de diferentes estratégias, com foco na agricultura tradicional e familiar, a qual é responsável pela maior parte dos alimentos produzidos e consumidos no país. Em 2011, a agricultura familiar era responsável por mais de 70% dos alimentos produzidos no Brasil, mas esse sistema ainda sofre com relação à comercialização e organização da produção, além da menor capacidade competitiva quando comparadas a grandes empresas e/ou multinacionais. Ainda há deficiências na unificação desse sistema para regulamentar a comercialização dos produtos agropecuários em todo o país, mas o estímulo à agricultura familiar, principalmente por redes de supermercados, por exemplo, e ainda de instrumentos públicos (a exemplo dos Bancos de Alimentos e Restaurantes Populares) , pode ajudar os produtores a conquistar uma parcela maior do mercado e estimular o aumento de sua produção e competitividade por meio da venda direta dos produtos ao consumidor, sem distribuidores ou atravessadores. 

A SAN deve abranger a conservação da biodiversidade com a utilização sustentável dos recursos naturais, para que a satisfação das necessidades da população atual sejam satisfeitas mas que isso não comprometa a satisfação das necessidades das gerações futuras. Os recursos (alimentares, hídricos, energéticos, entre outros) podem e devem ser utilizados pelo homem para a satisfação das necessidades, no entanto, devem ser explorados de maneira consciente e responsável, respeitando-se o tempo de renovação de determinados recursos, e em conjunto com o conhecimento científico e técnico para o desenvolvimento e utilização de tecnologias que contribuam no progresso sustentável do nosso país e do mundo. 



Imagem retirada de: facebook.com/alimentosusp


"Art. 2o  A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população" (BRASIL, 2006)

Como a alimentação trata-se de um direito humano básico, a SAN ainda deve promover a saúde, a nutrição e a alimentação da população incluindo os grupos populacionais em situações de risco ou vulnerabilidade social. Infelizmente, ainda vemos no Brasil e no mundo muitas situações de vulnerabilidade social, em que os direitos humanos básicos ainda não foram totalmente ou dignamente atingidos. No entanto, acredita-se que, com relação a alimentação, ações individuais e coletivas da população podem contribuir significativamente na possível amenização desta situação, através, por exemplo, do não desperdício de alimentos e do aproveitamento integral destes (este ainda pode ser um futuro tema de postagem aqui no blog, o que acham?) . As estatísticas relacionadas ao desperdício de alimentos são assustadoras, e acredito que mais do que aumentar a produção de alimentos é necessário reduzir o desperdício. Nosso país tem um grande potencial para o cultivo de diversos gêneros alimentícios, no entanto, também é expressiva a quantidade de alimentos que vão para o lixo diariamente por diversas razões (perdas durante o transporte, má manipulação, mau controle das condições de armazenamento, e mesmo perdas significativas durante o preparo destes alimentos para o consumo), e isso contribui no agravamento da situação de insegurança alimentar que ainda pode ser observada em algumas regiões do país. 

Garantir a qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos e produtos alimentícios também é de fundamental importância, pois a garantia do acesso à alimentação adequada deve ser completa. O estímulo a práticas alimentares e estilos e vida saudáveis respeitando as peculiaridades e a diversidade étnica, racial e cultural brasileira também é de igual importância, e o novo Guia Alimentar para a População Brasileira traz conteúdos que justamente atendem a esse tópico dentro da SAN, pois cada povo e cada comunidade possuem tradições alimentares diferentes e que precisam ser respeitadas, a cultura sobre a mesa e a diversidade devem ser valorizadas e aliadas a hábitos de vida saudáveis, conciliando assim bem-estar nutricional e cultural. 

A produção de conhecimento e o acesso à informação também são fundamentais para a garantia desse direito, e o Guia Alimentar vem mais uma vez ao encontro do que está contemplado na definição de SAN. Leva conteúdos de grande importância para a população brasileira, de maneira clara e com uma linguagem acessível, contribuindo no despertar da conscientização sobre a importância e impacto da educação alimentar na qualidade de vida individual e coletiva. Além disso, é de extrema importância e necessidade a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis de produção, comercialização e consumo de alimentos e produtos alimentícios com respeito à diversidade cultural do país. Isto é, deve-se estimular a criação e incorporação de hábitos alimentares e estilo de vida saudáveis, mas sem deixar de lado as tradições e peculiaridades alimentares das diferentes culturas que formam o povo brasileiro. 

Muito se lê e se vê nos veículos de comunicação e nas redes sociais sobre restrições alimentares, e o sensacionalismo é tanto que acaba sendo criada uma situação de neuroticidade alimentar na sociedade... Confesso que muitas notícias, postagens e depoimentos que vejo atualmente me geram certa revolta e indignação, porque muitas vezes estes veículos de informação, que deveriam ser utilizados para esclarecimentos, compartilhar conhecimento, estimular o pensamento e a capacidade crítica das pessoas, acabam sendo utilizados como meio de propagação de inverdades e afirmações categóricas sobre isto ser "bom" e aquilo ser "ruim", sem a preocupação de embasar os argumentos utilizados com estudos científicos de boa qualidade. Na maioria da vezes, essas restrições alimentares propagadas por famosos e anônimos se chocam com a abrangência da SAN à medida que muitas vezes as tradições e a cultura alimentar do brasileiro acabam sendo desrespeitadas e desvalorizadas pela disseminação da ideia de que o alimento "x" é "muito calórico", ou "tem muitos carboidratos", entre outros "argumentos" ainda muito relativos e discutíveis. 

Os artigos 5º  e 6º da LOSAN ainda ressaltam que a consecução do direito humano à alimentação e à SAN devem respeitar a soberania dos países, conferindo primazia às decisões por eles tomadas com relação à produção e consumo de alimentos; e que ainda o Estado brasileiro deve empenhar-se juntamente com países estrangeiros para que a realização desse direito básico possa ser executada e adequada no plano internacional. 

O Guia Alimentar

Começando a explorar...


      O Sumário apresenta todo o conteúdo que é abordado no Guia, lançado em novembro de 2014, e que possui 145 páginas. Como você pode perceber, é um volume bastante grande de informação, mas não se assuste com o número de páginas. Como disse anteriormente, essa nova versão do Guia possui uma linguagem muito acessível, tanto para instituições e organizações, como para a sociedade de maneira geral.  Foi elaborado por profissionais da área da saúde, educadores, representantes de organizações da sociedade civil brasileira, e ainda recebeu contribuições durante o período de consulta pública em que envolveu 436 participantes e recebeu mais de 3000 comentários e sugestões. Portanto, trata-se de uma ferramenta de formação, orientação e inspiração para a sociedade e profissionais, com vistas a promover a saúde e a alimentação saudável, auxiliando dessa forma na prevenção de doenças e amenização do quadro de desnutrição que o Brasil enfrenta atualmente.

       E quando digo desnutrição não digo necessariamente subnutrição, ou falta de acesso a alimentação/alimentação escassa, estou falando também de sobrepeso e obesidade. Pessoas nessas condições também podem apresentar carência de diversos nutrientes, apresentando quadros de desnutrição. O Brasil tem apresentado nas últimas décadas um aumento intenso e contínuo da obesidade, processo que podemos chamar de transição epidemiológica, em que, de uma maneira resumida, as doenças infecciosas passaram a ser controladas de certa forma ao passo que as doenças crônicas não transmissíveis (hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes, entre outras) fugiram do controle e têm vitimado cada vez mais pessoas em nosso país, justamente pela modificação dos padrões alimentares e estilo de vida. O consumo exagerado de alimentos ultra processados aliado ao sedentarismo e a hábitos de vida não saudáveis (consumo de bebidas alcoólicas, tabagismo, entre outros) contribuíram certamente para este processo e para a situação alimentar atual. Além destes fatores, mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais também contribuíram para este quadro.

     Veja neste infográfico o comportamento da obesidade no Brasil, e a comparação da obesidade nos Brics. 

Imagem retirada de: g1.globo.com


        A OMS (Organização Mundial da Saúde) coloca a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, estimando que o número de pessoas adultas obesas no mundo em 2025 seja superior a 700 milhões, além de 2,3 bilhões com sobrepeso. Para crianças com sobrepeso e obesidade ao redor do mundo, estima-se uma valor de 75 milhões! As projeções realmente são bastante assustadoras, pois este problema pode desencadear diversas doenças graves que podem inclusive levar milhares de pessoas a óbito. No Brasil, aponta-se que mais de 50% da população está com sobrepeso! Confira neste link como está o mapa da obesidade no Brasil por regiões. Veja só, por exemplo, como está a obesidade na região Sul do país:


Mapa da obesidade no Brasil. Imagem retirada de: http://www.abeso.org.br
     
     Isso posto, vemos mais uma vez a importância deste Guia como ferramenta essencial no enfrentamento deste cenário ainda na apresentação do documento:

"Para o enfrentamento desse cenário, é emergente a necessidade da ampliação de ações intersetoriais que repercutam positivamente sobre os diversos determinantes da saúde e nutrição. Nesse contexto, o setor saúde tem importante papel na promoção da alimentação adequada e saudável, compromisso expresso na Política Nacional de Alimentação e Nutrição e na Política Nacional de Promoção da Saúde. A promoção da alimentação adequada e saudável no Sistema Único de Saúde (SUS) deve fundamentar-se nas dimensões de incentivo, apoio 6 MINISTÉRIO DA SAÚDE e proteção da saúde e deve combinar iniciativas focadas em políticas públicas saudáveis, na criação de ambientes saudáveis, no desenvolvimento de habilidades pessoais e na reorientação dos serviços de saúde na perspectiva da promoção da saúde" (BRASIL, 2014) .


      O Guia se introduz como "um conjunto de informações e recomendações sobre alimentação que objetivam promover a saúde de pessoas, famílias e comunidades e da sociedade brasileira como um todo, hoje e no futuro" (BRASIL, 2014) , o qual substitui a versão de 2006. O Guia pode ser consultado e utilizado diariamente tanto por profissionais da saúde como em nossa casa. Na introdução, traz um resumo do conteúdo de cada capítulo, é bem interessante que antes de você consultar as recomendações leia os conteúdos iniciais (apresentação, preâmbulo e introdução), pois estes tópicos nortearão você por dentro do próprio Guia e apresentarão com mais detalhes o objetivo desse material. 

Vamos combinar assim, então? Você lê o conteúdo introdutório do Guia Alimentar e na próxima postagem desta série, partiremos para o Capítulo 1 ! Vem muita informação por aí, não deixe de acompanhar e de participar, comentando, enviando dúvidas, sugestões, e compartilhando a postagem com seus amigos!



Gratidão! 
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Referências bibliográficas e referências consultadas:

ABESO. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica . Mapa da Obesidade. Disponível em:<http://www.abeso.org.br/atitude-saudavel/mapa-obesidade>. Acesso em 19 set. 2015.

BLOG DA SAÚDE. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde lança Guia Alimentar para a População Brasileira. Disponível em:<http://www.blog.saude.gov.br/570-perguntas-e-respostas/34678-ministerio-da-saude-lanca-guia-alimentar-para-a-populacao-brasileira>. Acesso em 17 set. 2015. 

BRASIL. Lei 11.346, 15 de setembro de 2006. Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em 17 set. 2015. 

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2 ed., Brasília : Ministério da Saúde, 2014. 156 p. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira.pdf>. Acesso em 19 set. 2015. 

COMISSÃO DE OBESIDADE. Prevenção e Combate no Brasil. Disponível em:<http://www.obesidadenobrasil.com.br/>. Acesso em 19 set. 2015. 

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Novo Guia Alimentar Brasileiro é direcionado à população. Entrevista especial com Maria Laura Louzada. 2014. Disponível em:<http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/537461-novo-guia-alimentar-brasileiro-e-direcionado-a-populacao-entrevista-especial-com-maria-laura-louzada>. Acesso em 19 set 2015.

PORTAL BRASIL. Agricultura familiar produz 70% de alimentos do País mas ainda sofre na comercialização. 2011. Disponível em:<http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/07/agricultura-familiar-precisa-aumentar-vendas-e-se-organizar-melhor-diz-secretario>. Acesso em 16 set. 2015.

G1. Excesso de peso atinge 52,5% dos brasileiros, segundo pesquisa Vigitel .2015. Disponível em:<http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/04/excesso-de-peso-atinge-525-dos-brasileiros-segundo-pesquisa-vigitel.html>. Acesso em 19 set. 2015. 

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