quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Ao Brasil: com açúcar e com afeto


Inaugurando a seção do leitor, apresentamos hoje a postagem sobre a relação cultural do brasileiro com o açúcar e sua doce influência sobre sua cultura alimentar


Por Anna Flávia S. Silva - leitora do Cultura Sobre a Mesa


A grande representatividade que o Brasil ocupa na atualidade no cenário produtor de cana-de-açúcar e seus derivados (açúcar, etanol e bioenergia) não é algo recente, tampouco obra do acaso favorecidas por conjunturas econômicas favoráveis. A relação cana-de-açúcar – Brasil é muito antiga, sólida, estreita e, até, cultural. Então, aqui vai uma homenagem à história de um dos derivados da cana que se confunde com a história do Brasil, o açúcar.



Nas fotos vemos as ruínas do Engenho do Governador, posteriormente renomeado a Engenho São Jorge dos Erasmos, que iniciou suas atividades em 1533. Trata-se do primeiro engenho de cana-de-açúcar do Brasil construído por iniciativa de Martim Afonso de Souza donatário da então capitania de São Vicente. Em 1963 foi doado à USP.
A imagem panorâmica e as informações foram obtidas do site da Secretaria da Cultura de São Paulo, e a imagem do ambiente interno foi retirada do site prceu.usp.br
. Para mais informações, acesse: http://www.cultura.sp.gov.br/ e prceu.usp.br


 Um exemplo importante desta relação de afeto entre os brasileiros e o açúcar foi uma pesquisa realizada pela Copersucar e publicada em 30/09/2014 pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) mostrou que aproximadamente 70% dos brasileiros ingerem açúcar mais de uma vez ao dia e cerca de 90% afirmam que gostam do produto. Do total dos entrevistados, apenas 26% dos brasileiros evitam ingeri-lo (neste grupo está incluso os insulino-resistentes).
Esses dados de consumo podem ser exemplificados com os dados de consumo do produto pelos brasileiros. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, os tipos de açúcares que os brasileiros mais consomem são açúcar cristal, 8,038kg de per capita/ano e açúcar refinado, 3,16kg de per capita/ano.
Os dados de consumo e de preferência do produto no país refletem o seu forte elo com os hábitos culturais alimentares dos brasileiros, o que aconteceu por conta da produção de açúcar no período colonial. O período colonial foi o primeiro grande momento para a construção da cozinha brasileira, porque uniu as culturas portuguesa (colonizador), indígenas (povo nativo) e africanas (escravos).  A união das culturas destes povos permitiu uma rica troca de técnicas culinárias e ingredientes e, neste contexto, introduziu-se o açúcar. Além da importância econômica do açúcar para a colônia, o sabor doce foi o primeiro a ser rapidamente absorvido por todas as etnias que construíam o futuro Brasil.

Açúcar Cristal


Açúcar Refinado
                                                                  

A adoção do doce como primeiro sabor de preferência nacional pode ser explicada em função dos portugueses já o conhecerem, já que dominavam a produção do mel de abelhas e o cultivo da cana e produção do açúcar (exploração que acontecia na Ilha da Madeira); dos indígenas também conhecerem o doce, proveniente do mel silvestre de abelhas; e pelos africanos rapidamente absorverem o sabor, já que o açúcar intensificava o sabor de seus quitutes, sendo a cocada o alimento que mais demonstra esse fenômeno de absorção cultural. Assim, o sabor doce foi o primeiro ponto de convergência para a base alimentar do povo brasileiro, além de contribuir para a formação de sua cultura e a construção de sua identidade.
Agora você pode me perguntar se é por esta razão que o país enfrenta um grande problema de saúde pública: a obesidade. Na verdade, a resposta não é tão simples e não é explicada pela relação afetiva Brasil-açúcar. Ao longo dos anos, essa base alimentar brasileira sofreu grandes mudanças em função das contribuições culturais de outros povos. Por exemplo, com as migrações de europeus no século XIX recebemos influências italianas, alemãs, francesas, espanholas... Mas, ao longo dos últimos 60 anos é que essa mudança na base alimentar foi mais drástica e profunda. E isso ocorreu, dentre outros aspectos, graças à influência dos aspectos que caracterizam a sociedade contemporânea: a lógica de mercado, a propaganda e o fenômeno fast food.
Estes aspectos trouxeram novos padrões para a sociedade atual, sendo que a rapidez, a flexibilidade e a versatilidade são alguns dos termos que podemos citar que definem as demandas e anseios da nossa sociedade. Porém, esses novos padrões promovem uma reação que ocorre em cadeia: estimulam o consumo exagerado, que por sua vez promove a exacerbação do consumo de açúcar, acarretando para os indivíduos, como consequência o desenvolvimento de doenças metabólicas, como a Síndrome Metabólica. A Síndrome Metabólica é caracterizada por quadros de obesidade, dislipidemia e diabetes tipo 2 e é cada vez mais frequente na nossa sociedade. Vários estudos científicos vêm demonstrando que essa doença acomete indivíduos cada vez mais jovens, atingindo cada vez mais frequentemente a população de adolescentes e crianças.
Então, a solução é não consumir açúcar, certo? Te respondo com outra pergunta, como você pode romper com laços culturais tão fortes? Como você pode romper com um dos elementos que contribuiu para a identidade da cultura brasileira?
Vemos nos noticiários que a moderação no consumo é a solução. E aqui, não é só para o açúcar. A moderação e a conscientização é para o consumo. E isso traz impactos positivos para o meio ambiente, para a sociedade e para a sua saúde. Não devemos responsabilizar o produto pelas diversas doenças metabólicas que nossa sociedade vive. Assim, os rótulos de “bonzinho” e “bandido” para os alimentos não é algo sadio. São ilusões dos excessos que a sociedade consome e não sabe como absorver.
 Como vimos, o Brasil iniciou o seu jantar pela sobremesa. Nossos antepassados consumiam o produto, faziam doces e não se observava quadros drásticos de doenças metabólicas, obesidade, dislipidemia... A formação da cultura brasileira foi pelo caminho do dulçor, o que pode explicar nossa personalidade como um povo alegre e festivo. Com açúcar e com afeto o Brasil fez em uma cozinha riquíssima, o nosso sabor predileto...
           

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Imagens retiradas de: comidaideal.com.br,  www.biocana.com.br, www.cultura.sp.gov.br 
REFERÊNCIAS

BRANDÃO, A.P. et al. Síndrome Metabólica em Crianças e Adolescentes. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v 85, nº 2, pp. 79-81, Agosto/2005

BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008/2009 (POF): Aquisição alimentar domiciliar per capita Brasil e Grandes Regiões. Rio de Janeiro, 2010. Documento em versão eletrônica. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/pof/2008_2009_aquisicao/ pof20082009_ aquisicao.pdf. Acesso em 07/05/2014

CARNEIRO, H.  Comida e Sociedade: Significados Sociais na História da Alimentação. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p 71-80, 2005. 

CASCUDO, L.C. História da Alimentação no Brasil. 3ª edição. São Paulo: Global, reprodução em 2004 (obra de 1963), 954 p. 2ª reimpressão em 2007

FREYRE, G. Açúcar - Uma Sociologia do Doce, Com Receitas de Bolos do Nordeste do Brasil. 1ª edição. São Paulo: Global, reprodução da obra de 1932. 270p. Reimpressão em 2007.
  
SCHNAIBERG, A. The Environment: From Surplus to Scarcity. New York: Oxford University Press, 1980

UNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar . Disponível em: www.unica.com.br/. Acesso em 07/05/2015

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Gratidão!

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